quarta-feira, 21 de março de 2012 | Autor:

Mantra

Vocalização de sons e ultrassons

 

Mantra pode-se traduzir como vocalização. Compõe-se do radical man (pensar) + a partícula tra (instrumento). É significativa tal construção semântica, já que o mantra é muito utilizado para se alcançar a “supressão da instabilidade da consciência” (chitta vritti nirôdhah), denominada meditação, a qual consiste na parada das ondas mentais.

Mantra pode ser qualquer som, sílaba, palavra, frase ou texto, que detenha um poder específico. Porém, é fundamental que pertença a uma língua morta, na qual os significados e as pronúncias não sofram a erosão dos regionalismos, modismos e outras alterações constantes por causa da evolução da língua viva.

Em se tratando de Yôga, somente o idioma sânscrito é aceito. Dele, foram extraídos os mantras do nosso acervo. E não se deve misturá-los com mantras de outras línguas ou de outras tradições, para evitar o tristemente, célebre choque de egrégoras.

Para quê praticar mantra

Existem mantras para facilitar a concentração e a meditação, mantras para serenar e para energizar, para adormecer e para despertar, para aumento do fôlego e para educar a dicção, para desenvolver chakras e despertar a kundaliní, para melhorar a saúde e até para matar em casos extremos de autopreservação do yôgi[1], quando atacado. Leia a esse respeito no nosso livro Quando é preciso ser forte o caso do velho sábio que, para defender-se, teria matado um facínora na Índia, emitindo apenas um mantra.

Na prática básica de ády ashtánga sádhana, o mantra é utilizado para aplicar a vibração de ultrassons no desesclerosamento de nádís, que são os meridianos por onde o prána circula em nosso corpo físico energético. Na maior parte das pessoas, tais nádís estão obstruídas por maus costumes alimentares que as entopem da mesma forma que as artérias, e também por maus costumes emocionais, dando vazão a uma enorme variedade de sentimentos inferiores, pesados e viscosos.

Para desenvolver chakras, os mantras atuam por ressonância. É o mesmo fenômeno que se observa quando afinamos dois instrumentos de corda e depois, tocando um deles, o outro, deixado a uma certa distância, toca sozinho, por simpatia. Da mesma forma, se conseguirmos reproduzir os ultrassons que têm a ver com a afinação dos chakras, eles reagem a esse estímulo.

Segundo a Física, a ressonância tem tanta força que uma tropa não deve atravessar pontes marchando. Se o fizer, a ponte pode ruir, como já aconteceu várias vezes. Todo militar sabe disso, mas poucos sabem que tal procedimento está intimamente ligado à arte dos mantras.

Como não conseguimos escutar os ultrassons, os Mestres do passado criaram determinados sons que têm a propriedade de reproduzi-los simultaneamente, tal como se os ultrassons acompanhassem o vácuo dos sons audíveis. Assim, pessoas comuns passam a ter a capacidade de emitir vibrações que atuem nas áreas mais recônditas da nossa fisi­ologia pránica.

Não adianta ler os mantras escritos, nem mesmo em pauta musical. É pre­ciso escutá-los atentamente e buscar reproduzi-los exatamente da mesma forma. É necessário que um Mestre experiente os ouça e corrija sucessivas vezes, até que os mantras fiquem precisamente corretos.

Por isso, na Índia, alguns Mestres de mantra ficam furiosos quando os ocidentais lhes perguntam com que nota musical devem fazer o mantra ÔM.

Mantra não é música! – Vociferam eles, cheios de razão, já que o ÔM e a maioria dos mantras não tem nada a ver com música.

Assim sendo, saber que lam atua no múládhára chakra, que vam atua no swádhisthána, ram no manipura, yam no anáhata, ham no vishuddha e ôm no ájña e no sahásrara, não resolve absolutamente nada, se o praticante não tiver um Mestre que, além de entoar cada um, ainda esteja disponível para corrigir sua vocalização.

Tipos de mantras

Kirtan

Significa cântico. Kirtan é um tipo de mantra que, este sim, possui várias notas musicais, várias palavras e possui tradução. É o mais próximo que se pode chegar do conceito de música[2]. Kirtan é um mantra extroversor, de atuação mais psicológica que fisiológica, e é menos poderoso que o japa.

Japa

Significa repetição. É a “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. O japa ideal tem uma só nota musical, uma só palavra, uma só sílaba e, de preferência, não tem tradução alguma. Contudo, pode-se executar um kirtan como japa. Para isso, acrescenta-se repetição inten­siva. Não será um japa perfeito, mas pode ser classificado como japa sem risco de erro. Japa é um mantra introversor, de atuação mais fisi­ológica do que psicológica, e é muito mais forte que o kirtan.

Bíja

Significa semente. É um tipo de japa com função específica para des­envolvimento de chakras. Cada chakra tem seu som-semente, seu bíja mantra, que desencadeia a ativação por ressonância, mediante a exaus­tiva repetição. Cuidado: mantra pronunciado de forma incorreta produz efeitos imprevisíveis. Um conhecido ensinante leigo de yóga do Rio de Janeiro, que chegou a ser fundador de uma associação brasileira de professores de yóga, morreu por causa de mantra mal feito: ele usou repetidamente o som equivocado pam, no lugar de yam, que é o bíja correto do anáhata chakra. A consequência foi um ataque cardíaco. Lamentavelmente o mencionado profissional ensinou o mantra errado para muita gente… pessoas que nunca lerão estas palavras e ainda passarão adiante o bíja equivocado! Nós já conhecemos dezenas de ensinantes que aprenderam com o desditoso senhor e que estão propagando o mantra errado para centenas de outras pessoas, através, inclusive, de livros! Por aí você pode avaliar a responsabilidade de quem ensina e a importância de ser instrutor formado, supervisionado e revalidado. Um instrutor de Yôga não habilitado é um verdadeiro soro-positivo desinformado, contaminando a população.

Por ser muito forte, não se aplica o bíja mantra para iniciantes. Recomen­damos também que os bíjas só sejam utilizados em estrito equilíbrio pro­porcional, embora seja admissível carregar um pouco mais nos dos chakras superiores; porém, jamais deixar de vocalizar os dos chakras inferiores, como aconselham certos autores ocidentais, com medo, segundo eles, de que o praticante desenvolva a sexualidade!

É importante, ainda, que o yôgin observe a alimentação preconizada pelo Yôga para poder dedicar-se ao desenvolvimento dos chakras pe­los bíja mantras.

Vaikharí mantra

Vaikharí significa vocalizado, verbalizado ou pronunciado. Provém do termo vák, palavra. Designa qualquer tipo de mantra que seja audível. Nessa categoria, incluem-se várias gradações, desde o mantra vocalizado em volume alto (que tem menos força), até aquele que é sussurrado (este, dos pronunciados, é o mais forte). O mantra verbalizado tem menos poder que o mentalizado, contudo, é o que o estudante deve utilizar nos primei­ros tempos para que o Mestre possa escutar e corrigir sua pronúncia. Além disso, é mais fácil para o iniciante concentrar-se com menos dispersão se executar mantras que possa escutar. O mantra mental, manasika mantra, exige muito mais concentração.

Manasika mantra

Manasika (pronuncie manássika) significa mental. Provém do termo manas (pronuncie manáss), mente. É a mais poderosa modalidade de mantra. Tanto faz que a prática seja de kirtan, japa ou bíja mantra. Executando-o mentalmente torna-se muito mais efetivo. Afinal, verba­lizando-o, vibramos o ar. Mentalizando-o, vibramos o pensamento. Este é, por certo, mais poderoso que o ar. O manasika ainda permite que o yôgin pratique mantra num ritmo e velocidade impronunciáveis pelas limitações do aparelho fonador, mas perfeitamente possíveis para uma mente adestrada. Shivánanda recomenda executar o mantra ÔM 400 vezes por minuto.

Saguna mantra

Saguna significa com atributo. Designa os mantras que têm tradução e aludem a algo que possa ser visualizado. Por exemplo: ÔM namah Shivaya (pode-se visualizar Shiva); ÔM jay Gangá, Srí Gangá, ÔM jay (pode-se visualizar o Rio Ganges); etc.

Nirguna mantra

Nirguna significa sem atributo. A esta categoria pertencem os mantras que são abstratos e não se referem a nenhuma pessoa ou objeto visua­lizável. Por exemplo: ÔM, lam, klim etc.

Embora o ÔM possua o traçado característico que lembra o número 30, (a) esse símbolo é apenas uma sílaba com as letras ô e m (na verdade, au e til; em alfabeto fonético internacional escreve-se ¢), escritas em alfabeto dêvanágarí – ou algum outro ainda mais antigo.

Likhita mantra

Likhita significa escrito. É o mantra grafado. Geralmente tal designa­ção só se enquadra quando o yôgin executa repetidas vezes o mesmo mantra por escrito, tal como se o estivesse entoando verbalmente. Shvánanda costumava encher folhas e folhas de papel com o ÔM. Essa prática também é usada para aprimorar a caligrafia do dêvanágarí[3].

Kriyá e bháva do mantra

Kriyá significa atividade e designa a parte mecânica da emissão do som. Bháva significa sentimento, conduta, amor, inclinação da mente e designa o componente emocional que confere força ao som.

Vocalizando o ÔM, evite repetir três vezes. Isso é coisa de ensinante leigo. Raramente você o escutará dessa forma feito por um instrutor formado. Muito mais raramente o escutaremos na Índia. Em vinte anos frequentando as melhores escolas de Yôga daquele país, só ouvi uma vez um instrutor emitir o ÔM três vezes: ele estava lecionando para um grupo de turistas de yóga ocidentais! O efeito das técnicas é cumulativo. Ao executar um mantra, devemos gerar ritmo mediante a repetição. Evite o procedimento pro forma, que consiste em executar apenas três vezes, para ver-se livre e poder parar.

Japa com bíja mantra

Uma forma interessante de praticar japa é com os bíja mantras dos chakras (lam, vam, ram, yam, ham, ÔM) repetindo-os em ordem ascendente, uma vez cada, em seguida duas vezes cada, depois três vezes cada e assim sucessivamente até seis vezes cada. A seguir, em ordem inversa, cinco vezes cada, quatro vezes cada, até uma vez cada.

Quando você conseguir fazer uma série de: 1+1+1 + 2+2+2 + 3+3+3 + 4+4+4 + 5+5+5 + 6+6+6 + 5+5+5 + 4+4+4 + 3+3+3 + 2+2+2 + 1+1+1, você terá vocalizado 108 vezes cada bíja mantra e sem perder a contagem. Outra forma de não perder a contagem é simplesmente utili­zar um japamálá, um cordão de japa, que tem 108 contas e serve para que você conte o número de repetições.

Rudráksha

Rudráksha significa lágrimas de Shiva. É o nome de uma semente considerada sagrada pelos hindus, utilizada para confeccionar ja­pamálás. Consta que ela contém uma bactéria que combate inflama­ções, infecções e outros problemas de saúde física, bem como influ­encia estados de paranormalidade. Essa bactéria estaria em estado de suspensão de vida enquanto seca e voltaria a reproduzir-se quando umedecida pelo contato com a pele. O fato é que ela é reverenciada e seus efeitos louvados até num Shástra, a Rudráksha Upanishad.

Má

Japamálá significa cordão (málá) de japa (repetição). O japamálá é um cordão com 108 contas de rudráksha ou de uma outra semente indiana que tem propriedades semelhantes. O número 108 é tradicional e sim­bólico. O número 1 é o praticante; o 8 é a prática, que consiste em oito partes (o ashtánga sádhana); o zero é a filosofia que integra os dois, prática e praticante.

O japamálá é utilizado como uma minuteira, um timer, para que você conte o número de repetições do mantra, sem perder-se. Parece um rosário. Há quem sustente que o rosário nasceu a partir do japamálá. Aliás, a própria palavra “conta” usada para designar as sementes dispostas num fio, tem relação com o verbo contar. É errado referir-se ao japamálá dizendo que está portando um japa. O correto é dizer que está portando um málá. O japamálá também funciona como um fusível e costuma romper-se em circunstância de muita tensão, seja ela gerada pelo indivíduo ou proveniente de fora.

Existem, ainda, outros tipos de málá, como, por exemplo, o Cordão de Brahmá e o Cordão de Shiva. O primeiro é portado exclusivamente pelos hindus que nascem na casta superior, dos brahmanes. O segundo é uma condecoração da nossa Escola.



[1] Jamais escreva yogin, yogui ou yogue. Estas são formas incorretas. Escreva yôgin, e yôgi.

[2]  Não confundir com bhajan, um cântico religioso que não é considerado mantra. Contudo, mesmo os hindus leigos nessa matéria, às vezes, fazem confusão.

[3] Dêvanágarí é o nome do alfabeto utilizado para escrever o idioma sânscrito. Significa “a escrita dos deuses”.

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